domingo, 25 de novembro de 2012

As Migalhas do teu pão



As Migalhas do teu pão

Abro a janela e saio para a sacada, preciso ver as crianças que brincam... Olhar o barulho das crianças e sentir o cheiro do sol batendo no mato verde e pisoteado do campinho, me traz uma sensação deliciosa.

Como se o calor do sol trouxesse de volta aqueles dias tão quentes. Dias que desfrutava da luz daquela mulher que deixou em mim este oco frio e escuro.
Aguardem as próximas partes...

Uma vez, andando pelas ruas chuvosas da cidade de São Paulo, tomei-lhe o braço, para que nossos únicos guarda-chuvas desse abrigo aos dois. Tarefa difícil tentar proteger da chuva quem adorava uma aventurazinha urbana.Já estávamos totalmente molhados,quando ela se enfadou com o aguaceiro e me pediu algo quente para beber.

Já dentro da lojinha de café e lambendo os lábios,a fim de recolher uma gotinha de cappuccino que escorria ,confessou-me toda séria: "Minha pele pede o sol, preciso encontrar um lugar melhor para viver. Conhece um lugar onde a primavera e o verão dure para sempre, e o sol nunca se ponha no horizonte? Ah, essa mania que ela tinha de inventar coisinhas bonitas para dizer nas horas mais impróprias, deixavam-me completamente fascinado por ela.

E, aí, eu pergunto a quem me lê: que outra pessoa no mundo falaria de sol num momento destes?Somente alguém tão luminoso para falar de sol, e me fazer sorrir numa situação daquelas. Eu me encontrava perdido e ensopado nas ruas de uma cidade escura e violenta. Quando ela sorriu dobrando o casaco molhado, minha alma se aqueceu toda daquela luz que emanou dela. Eu era, até então, um mendigo sujo e molhado que acabava de ser surpreendido por uma muda de roupas secas e limpas e finalmente me sentava á beira de uma lareira...

Gosto de pensar nas coisas agradáveis que vivi com ela, enquanto meu olhar perdido na janela nem percebe que pessoas passam, e me olham. Para quem passa, sou apenas um homem em uma sacada que dá para um campinho, onde crianças brincam e nem se incomodam com um homem que olha.

Eu queria, eu devia ser uma destas crianças e ainda poder brincar, mas a vida tornou-me homem tão cedo. Homem que neste momento precisa sair da janela, tomar um café, ligar o computador e encarar a idéia de que já cresceu e não pode mais alimentar-se de sonhos.

É exatamente quando é hora de encarar o lado duro da vida é que ela me faz mais falta.
Olhando agora com este forçado distanciamento que a vida nos impôs, penso que mais do que a ela própria o que eu amava era o cheiro de vida que exalava dela. Aquela vida que me faltava, aliás, que ainda me falta. Aquela vida que ela conseguia transplantar em mim, quando; estando ao sol,sorria,ajeitando lindamente os óculos escuros.

Saio da janela e entro no meu mundo real. O mundo das coisas que não controlo. Este mundo que não me permite parar e olhar as janelas dos meus dias.

Posso resgatar agora do baú de minhas lembranças o momento em que a conheci. Ela subia as escadas da faculdade com vários livros nas mãos. Pude saber mais tarde que os livros eram sua segunda paixão, claro que depois dos raios de sol. Na segunda vez que a encontrei na mesma escadaria, quis fazer o papel do colega simpático e sorri timidamente olhando para ela. Todas as outras, ela parou e me disse, com aquele seu jeito que depois pude tanto experimentar e amar: "É da minha turma de Literatura, não é?"

Se tivessem a sorte de que eu tive de encontrá-la naquela tarde de verão, com seus óculos escuros segurando com tanta graciosidade o corrimão; Quem sabe, entenderiam a intensidade da saudade que sinto dela neste momento.

Ela era destas pessoas que nos entram pelos sete buracos da nossa cabeça e, sem o menor pudor, nos toma até a última célula do corpo.

A verdade é que quando me dei conta toda a minha corrente sanguínea estava envenenada pela essência dela.

Assim, do nada, nos tornamos quase um. Nossos amigos costumavam dizer que já não era mais possível saber onde terminava um,e começava o outro.Eu,de minha parte ,desconfiei desde o início ,que ela nunca se deixara misturar a mim,mas era eu que havia mudado a alma de corpo,ou o corpo de alma.
Acontece que, antes deste nosso encontro, eu havia tido outro encontro. O conflito desta narrativa se instala aqui, e já aviso, se quiser parar de ler a história; não o julgarei mal, caro leitor ou leitora, pois como se trata da vida real e não de uma tele-novela, não haverá um momento de grande emoção. Não prometo a quem me lê ,nem mesmo um bom desfecho .Eu mesmo que narro a minha história rogo a Deus ,que é o narrador onisciente da minha narrativa ,que esta história não termine ,como lhes contarei que ela terminou...

Eu, que já sou homem maduro e calejado, espero ainda um final feliz. Eu mereço um final feliz.
O outro encontro que já havia acontecido em minha vida fora com outra mulher maravilhosa. Por isso foi tão doloroso tudo isso.Penso ,agora,que se meu primeiro encontro tivesse acontecido com uma mulher qualquer ,talvez,fosse um homem feliz e realizado hoje.

Nunca entendi o porquê de a vida ter presenteado a mim com as duas mulheres mais perfeitas e adoráveis, mas exatamente no mesmo momento... Nunca conseguiria escolher uma delas e perderia as duas.Meu coração já pressentia a dor que viveria,quando a escolha se fizesse naturalmente,como de fato ocorreu.
Por algum tempo,consegui flutuar,hipnotizado,pelos dois mundos ideais.Elas era tão diferentes em tudo,que fizeram-me o homem mais completo do mundo,bem verdade que por um brevíssimo período.
Sabem ,todos vocês que acompanham minha emocionada e enjoativa narrativa,que nossa cultura não vê com bons olhos as famílias poligâmicas ,mas confesso que desejei ter nascido em alguma parte do mundo ,onde esta estrutura familiar fosse vista com naturalidade.

Decidir viver plenamente ao lado de uma era abrir mão do paraíso que a outra me proporcionava. Viver sem uma delas seria abrir as portas do inferno.

Uma era a quietude das tardes de domingo, mas como viver quieto após ter conhecido o desassossego da outra?

Necessitava desesperadamente da ousadia de uma para voar, porém era a sensatez da outra que me devolvia à terra firme, quando precisava.

Fui, por aqueles maravilhosos tempos, a Ismália enlouquecida das minhas aulas de poesia: queria a lua do céu, queria a lua do mar...

Desnecessário explicar que toda mulher, seja ela da cultura que for, deseja ser a dona exclusiva do seu homem. E, eu só fazia era retardar o momento que voltaria a ser um homem solitário e incompleto.
Foi então que, no final daquele ano tão ardente, vi meu sonho de menino chegar-me embrulhado para presente. Eu fui convidado para trabalhar no interior do Estado. Acho que ainda não contei que sou formado em música, mas lecionava Língua Portuguesa, que é minha segunda formação e paixão. Não resistiria ao sonho de ensinar música para crianças...

Quando contei para uma delas sobre o convite, apenas, me disse: "será que precisam de uma professora de línguas por lá?”. Claro que largaria todos os sonhos dela para que eu realizasse o meu. A vida dela era a minha vida.

A outra também não me surpreendeu. Olhou-me com os mesmos olhos misteriosos que encontraram os meus naquele segundo encontro, na escada daquela faculdade, onde vivi os anos mais preciosos de minha pacata vida. Penso, eu que tinha um ar triste. Falou-me devagar e muito certa do que dizia, como se na sua sabedoria feminina, tivesse estudado a sua fala. Só aguardava o momento de chicotear-me o coração com o golpe final:"Se precisa ir,vá,mas trata de ser feliz.".Eu tenho a impressão de que fora naquele exato e trágico momento que comecei a amá-la desta louca forma como a amo agora.

Quem escreveu a minha história foi realmente cruel com seu protagonista. Como pode me permitir saber somente naquele momento que era ela a minha metade verdadeira?

Se pudesse, parava neste ponto, não o faço por respeito aos, que acredito poucos, que solidários a minha dor ainda esperam pelo mais que presumível desfecho.

E foi naquele começo de ano que escolhi viver para sempre oco, pois com ela deixei a minha essência naquela chuvosa tarde de janeiro...

Eu sei que não deveria confessar este pecado. Se os meus leitores e leitor

As já me tinham como fraco, entrego de bandeja, agora, toda a fragilidade do meu ser. Mesmo sabendo que tudo estava perdido disse a ela: "Vem comigo também... preciso de você demais..."

E, ela, que estava com a cabeça baixa e cobrindo o rosto com as mãos, levantou-se e tomou-me as duas mãos, fez ainda um carinhozinho nelas: "O que poderia me oferecer?

Tuas migalhas?Achas que poderia contentar-me das migalhas do teu pão?

Foram as últimas palavras que ouvi da boca dela. Saiu pelo corredor molhado pela chuvinha fina ,insistente.Ela,justo ela,que era o meu sol,a minha luz...desenlaça suas mãos das minhas num dia de chuva.Que maldade de quem controla o meu destino.

Sabe que agora, começo a me lembrar de alguns detalhes daquele dia tão molhado, que deixou a minha alma encharcada pela ausência dela. Uma imagem me surge á memória.Eu me lembro nitidamente que chovia,mas também me lembro que quando ela chegou ao fim do corredor,uma luz tão forte ofuscou-me os olhos...desconfio que o sol que vivia escondido dentro dela,já estava de volta.A mulher que saia pra rua e deixava o portão entreaberto,era a mesma que me fez sentir o melhor homem da terra ,naquela tarde de verão,quando experimentei o seu primeiro sorriso cheio de luz.

Estou de volta à janela, e as crianças já se recolheram com seus gritos e seus cabelos sujos de sol. E um pensamento me chega e me faz rir sozinho. Acho que ela adoraria fazer este comentário a respeito da minha vivência com ela.No último encontro,como já contei a vocês,disse que me deixava ,pois não viveria das migalhas que eu queria dar a ela.Ainda bem que ela não sabe,e espero que nunca saiba,e este é o lado bom da gente nunca mais ter -se encontrado.Ela não sabe,mas ainda hoje,tanto tempo depois,eu sobrevivo das migalhas ,das poucas migalhas que ela me deixou...

É claro que o sol está se pondo no horizonte... Esperei por este momento para terminar a minha história...Fecho a janela da alma,lá dentro,a vida real me espera sentada
na sala de visitas.

FIM


  
 
       

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Querida,posso entrar?

Querida,posso entrar?

Nunca terminamos ,pois não houve para nós um começo,um marco que pudesse indicar o início de nossa história...
 Já cheguei a ter certeza de que fora num aniversário meu,quando me mandou umas sementinhas de flores e junto um bilhetinho:"Como uma flor seria pouco pra te homenagear,mando-te  todo um jardim.PS:As borboletas,abelhas e beija-flores serão entregues na primeira manhã da próxima primavera"
Outras vezes,penso que me engano.Antes do bilhetinho ,houve um poeminha esquecido de propósito dentro de um livro do Vinícius ...Quanta ternura!Encontrei  aquele papelzinho  azul,dobradinho e delicadamente acondicionado junto a fitinha dourada que marcava um soneto de amor.Três versinhos tímidos no meio daquela imensidão azulada:
"Eu sinto sede,amor,
Deixa-me ser
Teu beija-flor?"
Quem se importa com datas,marcos oficiais?Nem eu mesma...O que me incomoda é viver sem estas pequenas ternurinhas...Estas cariciazinhas tão doces que ele fazia-me na alma .
E,agora,vendo-o de malas prontas,a um passo da porta da rua....Sei que o coração dele já mudou de casa,mas ele espera ,ali parado.Espera pelo meu perdão,pela minha benção...
Não pedirei que fique.Cumprirei solenemente o meu papel,porém não trancarei a porta.
Tenho pra mim que ,quando eu menos esperar,me surpreenderá com o mesmo sorriso de  menino que reencontra seu brinquedo velho .E há de me dizer com aqueles olhos cheios de saudades:
"Querida,posso entrar?"



sábado, 3 de novembro de 2012

Morangos vermelhos

Bom dia,amores...Ontem à noite,minha filha Paola entrou no meu quarto com três livrinhos novos nas mãos..
"Mãezinha,leia pra mim..."
O pai dela disse:
"Filha,a mãezinha está com dor,não pode ler hoje..."
Ela sentou na minha cama e falou:
"Hoje eu vou ler os três livrinhos para vocês,o do morango vermelho,o da menininha estrela e o de poesia...'
Ela começou a ler...
"Mãzinha,olha que morangão...o r

ato quer pegar o morango...aqui é s mesmo,ou é z..por que tem dois tipos de s..."
A Paola demorou cerca de três horas para ler os livrinhos para nós
...Ia enroscando nas palavras...mostrandos as imagens...tecendo comentàrios....virando de ponta-cabeça...
Enquanto ela lia para os pais,o Cauan,Carlos e Beto assistiam a um filme na salinha...Bem baixinho para não acordar a irmã mais velha que precisa dormir cedo para fazer o ENEM (ela quer entrar no curso de medicina)...
Eu estava ali...deitada...com muita dor mesmo ,mas imensamente feliz...
Um pensamento me ocorreu nesta hora....Quando as pessoas me perguntam:"Por que vcs quiseram adotar 5 crianças.?..poderiam ter uma vida tão tranquila só os dois"
Acho que se estas pessoas pudessem sentir a felicidade que eu sentia naquele momento,jamais me perguntariam isto...
A Paola terminou de ler os livros e falou para nós dois:
"Fiquei com vontade de comer o morango vermelho do ratinho...Mãezinha vamos comprar morangos amanhã...morangos vermelhos...
Filha,vamos comer todos os morangos que e houver nesta cidade...
Beijos,com sabor de morangos vermelhos a todos!